Muitos não sabem ao certo por que não devo comer carne na sexta-feira santa.
Nesta leitura e você vai perceber que o motivo do cristão católico não comer carne na sexta-feira santa é um pouco mais significativo do que muitas vezes acreditamos saber.
São vários os motivos de não se comer carne na sexta-feira santa. Podemos destacar alguns:
- A prática da temperança;
- Reprimir a concupiscência da carne;
- Adquirir domínio sobre nossos instintos;
- Liberdade de coração;
- Preparação de corpo e alma;
- Mortificar o corpo;
- União dos cristãos do mundo todo;
- Ter direito ao que melhor provém de Deus;
- Substituir o alimento mais requintado;
- Sacrifícios reais;
- Participar dos sofrimentos de Cristo;
- Reflexão;
- Conversão.
Para começar é preciso entender que, todo católico é cristão, mas nem todo cristão é católico.
Ser cristão é muito mais que fazer o bem e rejeitar o mal, acreditar em Deus e em Jesus, orar, aceitar verdades de fé de muito tempo atrás e que estão registradas na Sagrada Escritura. Ser cristão é seguir Jesus e seus ensinamentos, reconhecendo-o como Senhor de sua vida, aceitar seu projeto, fazer parte da sua comunidade, viver sob a força do Espírito Santo.
É regra da espiritualidade cristã a virtude da temperança. A prática da temperança nos leva ao controle dos próprios impulsos. Todo cristão deve fazer uma vida de abstinência (quer dizer abrir mão voluntariamente de algo) e de ascese (significa ter disciplina para conseguir a prática perfeita de algo como, por exemplo, dos mandamentos divinos e das leis sagradas).
O cristão católico, além de tudo isso, aceita a fé que foi revelada por Jesus Cristo e que está contida na Bíblia Sagrada, no Magistério da Igreja e na Tradição. Ele ainda reconhece a autoridade do Papa (o sucessor de São Pedro) e dos bispos (sucessores dos demais apóstolos) e participa dos sacramentos.
A Igreja fundada por Cristo tem em seus quatro aspectos fundamentais, sua unidade, sua santidade, sua universalidade e sua base apostólica formada pelos discípulos que viram e conviveram com Jesus. Em outras palavras, a Igreja é una, santa, católica e apostólica, como está na profissão de fé do Credo Niceno-constantinopolitano e, além disso, seguimos os seus mandamentos.
O quarto mandamento da Igreja nos orienta a “Jejuar e abster-se de carne, conforme manda a Santa Mãe Igreja”.
Nesse ponto alguns se torcem o nariz, outros até se revoltam pensando:
“Seria melhor que a Igreja proibisse comer Jiló…”
“Por que proibir carne?”
Algumas pessoas não gostam muito de comer carne e apreciam muito mais massas, doces ou vegetais. Entretanto, a maioria das pessoas gosta de carne. Principalmente no Brasil, onde apreciamos um bom churrasco, com carne bem suculenta, frango assado, tudo muito saboroso. Ou ainda um bom bife acebolado que dá pra sentir o cheirinho apetitoso de longe… Um frango com molho e polenta… Em companhia dos familiares e amigos então fica melhor ainda. Se você ainda não comeu agora pode estar começando a ficar com fome.
Desde a antiguidade as carnes, sobretudo as vermelhas e as de ave, estão muito associadas às grandes comemorações, banquetes e ocasiões especiais. E o que acontece nas grandes festas? Os exageros!
É prazeroso comer e em várias culturas as pessoas se reúnem para comer as refeições e aproveitar deste momento. Entretanto, dos momentos de prazer vêm os excessos, juntam se aí os exageros à mesa e também do sexo desregrado, aos quais somos levados pelo desejo da carne. Estes exageros nada mais são do que o contrário da virtude da temperança.
Não comer carne na sexta-feira ajuda a praticar a virtude da temperança.
JEJUM E PENITÊNCIA
SANTO TOMÁS DE AQUINO E O JEJUM
No artigo 8° da sua suma teológica, Santo Tomás de Aquino diz que o jejum (que é a forma de penitência que consiste na privação de alimentos) foi instituído pela Igreja para reprimir as concupiscências da carne, por isso, ela proíbe aos que jejuam os alimentos com que mais nos comprazemos e mais nos provocam aos prazeres. Pois, como esses alimentos (como é o caso da carne dos animais que vivem e respiram sobre a terra) são melhor assimilados pelo corpo humano, mais contribuem para o nutrir; e assim, proporcionam prazer e nos dão energia para buscar mais prazeres. Mas estes prazeres são aqueles que não preenchem completamente e a pessoa acaba sempre buscando mais e mais. E acabam se tornando vícios.
Para que possamos adquirir domínio sobre nossos instintos e liberdade de coração, somos orientados pela Igreja a fazer jejum e abstinência e dessa forma nos preparar de corpo e alma para as festas litúrgicas e em especial a Páscoa de nosso Senhor (CIC2043).
Uma das coisas que herdamos do pecado de Adão foi que nossa carne e nosso espírito passaram a ter desejos contrários. A abstinência da carne como forma de mortificar o corpo (penitência), que muitas vezes parece ter maior vontade sobre o espírito, e assim poder caminhar os dois (corpo e alma) em uma mesma direção.
Jesus jejuou durante o período de quarenta dias que passou no deserto se preparando para o momento seguinte, que foi o de sua vida pública. Assim, a todos nós fiéis, cada um a seu modo, somos obrigados a fazer penitência. Existem várias formas de penitência, o jejum é uma delas. Essa forma de penitência é uma expressão muito significativa da união dos cristãos do mundo todo em torno do mistério da Cruz de Cristo.
A SEXTA-FEIRA E A PENITÊNCIA
Jesus nos amou. E tamanho foi o seu amor pela humanidade que derramou seu sangue sobre a cruz, que era a maior e mais humilhante forma de punição da época, como sacrifício para que nós tivéssemos direito ao que melhor provém de Deus, o Reino do Céu. Este direito que a humanidade havia perdido em razão do pecado original, foi reconquistado por Jesus, que passou pela Paixão e Morte. Assim, a Igreja fixou um mínimo de penitência que seja possível a todos.
Como Cristo morreu em uma sexta-feira, a igreja estabeleceu todas as sextas-feiras do ano e também a Quarta-feira de Cinzas, como dias de penitência. Estes dias eram dedicados às orações e ao jejum de carne. Por isso não comer carne na sexta-feira santa é também uma forma de se lembrar do sacrifício de Jesus.
Na Idade Média, a carne de peixe era o alimento mais comum aos pobres por ser mais abundante e barato que a carne vermelha. Por esse motivo também foi escolhido para substituir o alimento mais requintado e sendo consumido como um alimento mais simples. Somos convidados a viver, sobretudo na Quaresma (um período de quarenta dias), um retiro coletivo para que todos se unam em uma prática comum de penitência, em preparação para a Páscoa. (CDC, c, 1249)
Uma vez que você passa a pensar sobre o motivo de não comer carne surge uma oportunidade para a mudança acontecer em seu coração. Uma oportunidade para pensar mais sobre os sacrifícios reais que você tem feito em sua vida. Não comer carne apenas ajudou a focar no que realmente importa. Ser paciente com seus familiares e idosos, perdoar verdadeiramente os que te ofenderam talvez seja o seu verdadeiro sacrifício.
CADA CRISTÃO DEVE ESTAR PRONTO PARA RENUNCIAR A SI MESMO
Portanto, para seguir o Mestre, cada cristão deve estar pronto e disposto a renunciar a si mesmo, tomar sua cruz e participar dos sofrimentos de Cristo. Dessa forma transformado em uma imagem de sua morte, ele se torna capaz de merecer a glória da ressurreição “completando em sua carne as dores de Cristo, sofrendo por seu corpo, que é a Igreja”. (PAUL VI, Apostolic Constitution Paenitemini)
Na constituição Paenitemini de 1966, o papa Paulo VI deu às Conferências episcopais a faculdade de trocar a abstinência de carne por outras práticas de penitência cristã, como a oração, a esmola, outras mortificações, etc.
Os bispos do Brasil determinaram que nas sextas-feiras do ano, a abstinência de carne pode ser substituída, à escolha de cada um, por outras formas de penitência, principalmente por obras de caridade e exercícios de piedade, isto é, por algumas orações como por exemplo, a meditação da Via-sacra.
Apenas dois são os dias que a Igreja obriga ao jejum de carne: Na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa. Em algumas situações especiais, mesmo nestes dois dias o jejum também pode ser substituído por outra penitência.
Vários são os motivos que motivaram essa decisão, mas alguns que ouvi nas explicações de sacerdotes. Por exemplo, o motivo de situação social – muitas vezes a carne é o único alimento que a pessoa ou a família terá para comer por esses dias e muitas vezes não será em grande quantidade; por necessidade de saúde – uma pessoa que está muito doente e precisa de uma alimentação que lhe garanta mais nutrientes; por necessidade nutritiva dos que realizam por vezes trabalhos pesados.
Essa é a determinação que ainda é válida e é preciso atentar sempre às orientações dos sacerdotes, pois essas decisões podem mudar.
PARA QUEM QUISER FAZER JEJUM E ABSTINÊNCIA
Para quem optar pelo cumprimento da obrigação do jejum e da abstinência nesses dias, basta fazer uma só refeição completa, e até duas outras desde que, juntas, não formem uma refeição completa; além disso, nenhuma dessas refeições deverá incluir carne.
É por isso que não comemos na sexta-feira santa. Não é apenas sobre não comer a carne alimento, mas o que motiva esse gesto. São Paulo várias vezes se refere à carne e aos apetites da carne.
O deixar de lado a carne alimento nestes dias de jejum e abstinência é uma pequena mudança que podemos fazer em nossas vidas. Ao verificar que é sim, possível passar alguns dias sem consumir carne, nossos olhos do corpo e da alma se abrem. Dessa forma podemos entender que também é possível rejeitar os apetites da carne e o valor excessivo que damos aos bens materiais. Podemos perceber ainda que muito frequentemente estes apetites nos impedem de trilhar os caminhos da santidade.
Agora, pelo sacrifício de Jesus e não mais na condição de escravos do pecado, mas de Filhos de Deus e herdeiros da herança que é o Reino do Céu, somos chamados a tomar posse dela através da fé.
CONVERTEI-VOS E CREDE NO EVANGELHO
Confira o texto integral na Revista Voz de Deus, edição 6 de março de 2020